Bico de Pelicano
Existem centenas de signos gráficos na escrita, cabe ao grafólogo interpretá-los de acordo com a regras da grafologia. Todo sinal, por mais simples que seja, precisa necessariamente pertencer a uma espécie grafológica. Alocado a determinada espécie, obrigatoriamente está incluído em um gênero. Os sinais, portanto, são modos de determinadas espécies, assim o mesmo sinal, pode pertencer em duas espécies (dificilmente ao mesmo tempo), de acordo com o modo como é executado.
Dois princípios básicos
da escrita:
- A escrita é ao
mesmo tempo manifestação motriz e intelectual: A mão escreve, o cérebro
comanda.
- O exame da escrita
fixa-se em duas funções essenciais:
Ø
MOTRICIDADE
Ø
INTELIGÊNCIA
Em linhas gerais e sem
maiores considerações, uma criança de 3 anos tem inteligência, mas não
motricidade para escrever. O macaco de dois anos possui excelente motricidade,
mas não tem inteligência para escrever.
A comparação, a princípio é
esquisita, todavia serve facilmente para definir os dois parâmetros. Desta
forma a maturidade gráfica nem sempre é fácil de ser atingida, não por outra
que crianças passam oito anos na escola e não conseguem escrever.
Primeiramente temos de
definir os quatro principais vetores da escrita. Entramos no terreno da
motricidade.
Os principais gestos são:
Ø
Adução
Ø
Abdução
Ø
Flexão
Ø
Extensão
Abdução: Movimento no plano frontal, o traço se move para
longe da linha sagital (média) do corpo.
Adução: Movimento no
plano frontal, o traço se move para a esquerda.
Na flexão, o movimento do
traço se realiza no plano sagital. De cima para baixo. O traço é realizado em
direção ao corpo. Existe tensão. O traço busca o centro do “eu”, ventromedial.
Na extensão, o movimento do
traço também se realiza no plano sagital, todavia de baixo para cima. Afasta-se
do corpo.
A extensão pode ocorrer quando
determinados traços (letra g, por exemplo) voltam para a posição anatômica
inicial. Disto resultam diversas interpretações, este “jogo” de movimentos flexão/tensão
resulta na elasticidade do traço.
É óbvio que esta percepção espaço-temporal é realizada de acordo com a motricidade e inteligência do escritor, assim a percepção conceitual do escritor vai ser revelada na escrita. Cabe ao grafólogo interpretar estes movimentos.
Nos
dedos temos o movimento de flexão que é realizado pelos músculos interósseo
dorsal, interósseos palmares, lumbricais, flexor curto do dedo mínimo, flexor
superficial dos dedos e flexor profundo dos dedos (BATES; HANSON, 1998; DÂNGELO;
FATTINI, 1997).
Já a
extensão dos dedos é realizada pelos músculos interósseo, lumbricais e extensor
dos dedos (BATES; HANSON, 1998). Outro movimento realizado pelos dedos é o de
adução que é executado pelos músculos interósseos palmares.
Enquanto
a abdução é realizada pelos músculos interósseos dorsais e o abdutor do dedo
mínimo (DÂNGELO; FATTINI, 1997).
O
complexo articular do punho e da mão mudaram radicalmente ao longo da evolução
humana.
O
Polegar capaz de realizar a oposição é a mais importante delas.
Tal
estrutura possibilitou a construção de ferramentas, da escrita, das artes.
Os quatro gestos (Adução, Abdução, Flexão, Extensão) são executadas em linhas retas. A combinação entre eles possibilita a infinidade de novos traços. Ou seja, as curvas são provenientes da combinação destes traços.
A maior parte dos traços realizados no ato de escreve é uma combinação complexa destas quatro formas básicas de movimento. As formas básicas, são em teoria, mais fáceis de serem executadas, portanto as alterações nestes traços quando ocorrem sinalizam algumas características de motricidade no escritor. Por exemplo: um traço vertical reto com tremores é por demais importante para ser deixado de lado na observação gráfica.
Para o perfeito funcionamento do ato
de escrever se faz necessários a correta postura ao sentar e a perfeita maneira
de segurar a instrumento escrevente.
O Bico de pelicano
O bico de pelicano é executado de
várias maneiras. Somente com bom nível de experiência o grafólogo consegue
determinar o início e o fim do traço. O traço de ataque e o de fuga estão entre
as grandes preocupações do perito grafotécnico no estudo das falsificações.
No bico de pelicano partes do traço são
curvos e partes retas. Necessariamente existe um ângulo que é a junção a curva
com o traço, ou seja, existe a mudança brusca da direção. O traço que caminha
em uma direção, volta praticamente na direção oposta.
O traço reto pode inicial ou final,
embora a forma final seja a mesma. O traço reto é executado no plano frontal e
o movimento pode ser de Abdução (para a direita) ou Adução (para a esquerda).
A parte curva do traço também pode
inicial ou final, mas sempre será uma combinação vetorial dos quatro traços.
Os movimentos e suas direções, determinam características grafológicas, assim se o traço inicial for a curva, os movimentos são mais complexos, envolvem altruísmo, sedução, envolvimentos, amenidades. Os traços retos são mais diretos incisivos, decididos.
A maior parte do movimento
humano é uma combinação complexa das formas básicas de movimento. Ao se
analisar o movimento a partir da perspectiva mecânica, é prático separar
movimentos complexos em seus componentes linear e angular (HALL, 1991).
Vejamos os Tipos
Tipo I
Traço de abdução inicial. Traço reto.
A seta indica o traço de
ataque. O traço de fuga termina na zona superior.
O bico de pelicano, em
termos, comportaria o ângulo C de Moretti.
Projeção para o futuro, quando mais
firme e preciso, maior capacidade de decidir. O tamanho do traço indica a
quantidade e energia colocada naquilo que realiza.
Terminado o traço horizontal existe
uma brusca guinada de direção. Neste ponto a traço reto sofre um freio brusco e
então se inicia a curva. Esta mudança específica muito bem o traço de pelicano,
mescla ângulo com curva. Nesta volta o traço parte para a zona superior, das
ideias, do consciente. Ou seja, vai refletir sobre as decisões tomadas.
Embora a subida final muitas vezes
seja realizada em curva, não se deve excluir a interpretação de um traço final
vertical, todavia que seja sempre um gesto de extensão, ou seja, relaxamento.
No caso ocorre uma volta ao passado,
a linha é abaixo do traço inicial, portanto, provavelmente ligada a zona
inferior, materialismo, inconsciente. O escritor volta para revisar a decisão
tomada de forma intensa e direta. No bico de pelicano clássico, como assim
entendemos, este traço não corta o traço inicial, mas quando isto ocorre é
muito pouco.
Para Michon, qualquer que seja o tipo de curva (não define
que seja guirlanda ou arcada) sinalizará, pelo menos, que o caráter do escritor
não é privado de doçura. (observe que no século XIX, primórdios da grafologia,
os termos utilizados não tinham a enorme carga psicológica e até mesmo
empresarial que possuem atualmente.)
No livro Système de graphologie, (1875), pág. 297, Les passions), Michon enfatiza “empurrado
para o excesso, a intensidade destrói a virtude”. Mais ainda, quando diz: "Quanto
menos ângulos existirem na escrita, maior será o lado doce." (pág. 190), até
os dias atuais parece indiscutível.
No mesmo livro (Syst, p.192), o abade assinala a equação
"curva = suavidade", ou, mais exatamente, "qualquer curva é um
gerador de gentileza". Isto continua válido até os dias de hoje.
Mais tarde irá afirmar que "qualquer curva é um gerador
artístico”. Alguns sinais estudados por Michon exemplificam de maneira
magistral suas teorias, como por exemplo a letra o D lírico, indicativo de
criatividade. (Amplio em meus estudos este significado, pois veja no D lírico a
forma humana de expressar graficamente a curva de Fibonacci.)
Basta refletir um pouco, para criar o autor necessita de
“soltar” as rédeas da imaginação, a tensão do ângulo certamente é contrária a
isto.
Observe que no livro Système de graphologie (06 fevereiro
1875), no capítulo:
IV Physiologie graphique. Fonctions et combinaisons des
traits (pp. 85-128)
1° Du trait considéré
comme ligne droite
2° De la courbe et
de l'angle
3° De la direction des
lignes
Michon escreve sobre curvas e ângulos trinta anos antes do
Girolamo Moretti. Não consta, nos primórdios, que o padre Italiano tenha tido
acesso a obra de Michon, todavia a intuição dos dois grandes mestres, os leva a
interpretar a dicotomia ângulo/curva como importante no estudo grafológico,
mesmo sob pontos de vistas diferentes.
Tipo II
Traço curvo inicial. Adução no traço final.
O bico de pelicano, em
termos, comportaria o ângulo A de Moretti.
O traço se inicia na zona superior
faz a curva que termina no lado direito e se transforma num traço de adução,
voltado para a esquerda.
Evidente que o grafólogo não descarta
a análise da pressão, velocidade, tamanho, forma etc. O movimento iniciado em
curva é bastante significativo. Para tal recorremos a Moretti.
Curva é signo
substancial da vontade. Tendência ao altruísmo, a bondade, profundidade de
sentimentos, preocupação com o bem-estar dos demais, disponibilidade para a
compreensão, para a compaixão, aceitando com benevolência as observações
feitas, mesmo que não sejam justificadas. Aptidão intelectual para compreender
e se aprofundar nos conceitos. Toma, com abertura mental e docilidade, as teses
e propostas avançadas dos demais, sendo isto, uma expressão de altruísmo e
benevolência.
Ocorre a preocupação de ser consequente naquilo que realiza.
O gesto voltado para a esquerda é considerado uma volta ao passado, e quando
ocorre na zona média, também pode ser considerado, em alguns casos, sentimentos
autopunitivos, o escritor se policia naquilo que realiza, portanto é
consequente nas atitudes e tomada de decisão.
Tipo III
Traço curvo inicial. Abdução no traço final
O traço final é voltado para direita, futuro. Neste caso o cruzamento
entre da linha indica a repressão dos impulsos. Quanto mais ele se lança à
direita depois de cruzar o tempo, maior a impulsividade. O traço lançado mostra
pouca contenção dos impulsos e a proporção da parte esquerda e direita do traço
deve ser considerada. O ângulo a esquerda, a medida entre contração e disparo.
Para que se produza um traço como este, o autor necessita obrigatoriamente ter
fortes energias. As pulsões instintivas nem sempre se equilibram de forma
razoável.
O escritor inicia o movimento em curva na zona superior, mas volta para o passado, ou seja, necessita revisar as vivências para depois ir em busca do “futuro”. Este tipo parece ser o mais decidido dos quatro, já que o traço final é reto (abdução, da esquerda para a direta) voltado para o futuro.
Quando este traço corta o traço curvo, o escrito não fica confinado as reflexões iniciais (traço curvo), ele se projeta para o futuro sem medos. A maneira como termina o traço (acerado ou massivo) completa a interpretação dele.
Traço final maior que o traço curvo e lançado: existe a desproporção
entre aquilo que o escritor reflete e a decisão tomada. Em outras palavras pode
refletir, mas as decisões algumas vezes é maior ou mais destemperada. Em todo
caso, existe a capacidade de decidir e nunca se exclui as consequências dos
atos que irá praticar.
Tipo IV
Traço Adução inicial. Traço curvo final.
Neste caso, a “decisão” de voltar ao passado é direta e rápida. Não existem dúvidas do que faz, como vimos anteriormente a interpretação depende do tamanho do traço, da forma do bico, curva ou ângulo etc. Quanto menor o ângulo de mudança, maior a repressão do impulso, maior a agressividade ou brusquidão na tomada de decisões, nas mudanças de opinião. Aqui, como nos demais exemplos, existe similaridade com os ângulos A e C (curva) de Moretti.
Logo após o movimento se torna mais complexo (curva) ou seja.
A “decisão” inicial é completada pela interpretação resultante da curva. Pensa
e reflete de forma rápida, todavia é bem mais amena e consequente no plano da
realização.
Observações importantes
A direção do traço divide-se em: progressiva, regressiva,
mista, ao revés e com torções.
A direção do traço está intimamente ligada às nossas
motivações e mecanismos de compensação. Os traços são executados no sentido
horário ou anti-horário.
A escrita ocidental parte da esquerda para a direita –
escrevemos de “dentro” para “fora” de nosso corpo –, logo a escrita sinistrógira
é um gesto voltado para dentro que expressa “instinto de apropriação”, com a
energia dirigida para o interior. Temos de levar em conta também a zona em que
o gesto predomina.
Na escrita dextrógira, o gesto é dirigido para a direita,
para fora. O caráter dextrógiro encontra-se ao lado da “liberação d’alma” e o
sinistrógiro, ao lado da “constrição” (Klages).
O gesto à esquerda não é, na maioria das vezes, um gesto forte, porque exprime exclusão da força como objetivo primordial.
Como o indivíduo não faz uso de sua força, é natural que
ele procure outros meios para conseguir seus intentos, como sedução,
convencimento etc. Indica ainda calma e receptividade.
Foi descrita pela primeira vez pelo Dr. J. Héricourt, no
Bulletin de la Société e Psychologie physiologique, em 1897, no qual chama a
atenção sobre o caráter diferencial das escritas que têm os traços dirigidos
para a esquerda e para a direita. Pierre Humbert prefere usar os termos
progressiva e regressiva em detrimento da denominação de Héricourt.
Para Jamin, a progressiva é a síntese das escritas: curva,
centrífuga, combinada, ligada, acelerada, simples, simplificada e sóbria, em
suas manifestações mais afortunadas.
Exemplos
1.
O golpe de sabre (acima) e logo abaixo o bico de
pelicano tipo III.
Presidente João Goulart
Considerações finais
Trata-se de um traço complexo que une movimentos curvos com
retos. Por definição quem escreve assim deve possuir habilidade gráfica (de
acordo com Klages), mas também um certo dom gráfico (Klages).
Desta forma, pelas minhas estatísticas, este traço
dificilmente ocorre em escritas caligráficas e pessoas com pouca escolaridade.
A legibilidade das assinaturas está sempre comprometida.
O gênero quando levado em consideração: mais comum em homens do que mulheres.
Idade: escassa em menores que 20 anos, mais presentes em acima
de 30 anos.
Nas pesquisas observei que grande parte das pessoas com este
traço estão, de alguma forma ou de outra, em posições de liderança, nos mais
diversos graus. Isto não é surpreendente, pois o traço de pelicano tem fortes
similaridades com o golpe de látego e o golpe de sabre, guardada as devidas
proporções.
O traço quando passa encima do anterior também sinaliza que o
escritor deseja ter a última palavra e/ou se desdiz daquilo que afirmou
anteriormente.
O bico de pelicano seria também um sinal de liderança, isto é
confirmado pelas estatísticas, a maioria dos exemplos estudados estão presentes
em escritas de pessoas que estão em posição de liderança.
Existe espaço e exemplos para considerar e aprimorar estas interpretações, todavia que ao longo dos 10 anos de estudos, creio que algumas (das interpretações) são consistentes e sólidas.
Paulo Sergio de Camargo
Neurociências - Linguagem Corporal -
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